Conversas Necessárias | Ingrid Moreno Bueno

1. Ingrid, o Oficial de Justiça é uma carreira pública ligada ao Poder Judiciário. Em que documento legal está prevista a função e o cargo? Como a servidora/servidor ingressa no cargo de Oficial de Justiça?

As funções atribuídas ao Oficial de Justiça estão previstas no Código de Processo Civil e na Consolidação Normativa Judicial da Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo as principais atribuições arroladas no artigo 154 do NCPC e artigo 244 da CNJ.

O ingresso na carreira ocorre por meio de Concurso Público.

2. O Poder Judiciário é um órgão do Estado e, estruturalmente, é organizado de modo a determinar e controlar comportamentos, por meio da decisão de juízes/juízas. Em que medida o exercício da função de Oficial de Justiça concorre para que esse produto da atividade pública estatal, que é a decisão, se realize?

O Oficial de Justiça é um dos auxiliares da justiça, cuja atividade é imprescindível para a realização dos atos processuais. É quem pratica os atos de preparação, de informação e os de execução, sendo sua função executada quase que totalmente externa ao Foro. Também exerce alguns trabalhos internos como plantões e júris, além do atendimento regular às partes e seus procuradores, sendo por isto, um elo fundamental na formação e desenvolvimento do processo judicial. A máquina judiciária é um corpo que trabalha em prol da sociedade, através de juízes e serventuários. Dentre estes, a figura do Oficial de Justiça, que exerce suas atribuições no papel de longa manus, ou seja, a mão da justiça, aquele que realiza o ato como se fosse a mão do Magistrado, fazendo materializar a pretensão jurisdicional das partes. A importância dos atos praticados pelos Oficiais de Justiça é vital, interferindo na validade dos mesmos. Embora o Oficial de Justiça seja apenas uma das peças da engrenagem, seu papel é relevante para que o Poder Judiciário consiga cumprir seu papel perante a sociedade.

3. Como os servidores do quadro de oficiais de justiça percebem a valorização da função, por parte do Estado, da advocacia, ou mesmo da sociedade civil?

A história nos mostra que a origem da figura do Oficial de Justiça se deu no Direito hebraico. Os juízes de paz tinham alguns oficiais encarregados de executar as ordens que lhes eram confiadas. Nas legislações medievais, eram de pouca importância. Entretanto, à medida que foi se difundindo o Direito Romano e o Canônico, os Oficiais de Justiça readquiriram a posição de auxiliares do juiz. Em Portugal, eram denominados meirinhos. Por muito tempo, os meirinhos eram pessoas “convidadas” por Magistrados para executar suas ordens. Isso fez com que a função fosse por muito tempo vista de forma pejorativa.

Com o passar do tempo, o ingresso na carreira passou a exigir concurso público, estabelecendo conclusão de nível médio de ensino. Atualmente, exige-se a formação do Curso de Direito.

Diante de tal conquista, a categoria sentiu a necessidade esclarecer e conscientizar a sociedade sobre a importância da função.

No Rio Grande do Sul, a Associação dos Oficiais de Justiça – ABOJERIS – lançou há alguns anos a campanha de valorização dos Oficiais e Oficialas de Justiça. A primeira fase teve a finalidade de despertar o interesse nas pessoas em saber o que um Oficial de Justiça faz realmente.

Na segunda fase, iniciada este ano, tem a finalidade de informar a população quais são as suas atribuições e demonstrar que os Oficiais e Oficialas de Justiça são essenciais para fazer a Justiça acontecer.

A importância pode ser vislumbrada se acompanharmos a evolução do Direito e a manutenção do cargo. Atualmente, ainda que os processos judiciais tenham sido digitalizados e os novos estejam sendo propostos de forma totalmente eletrônica, há atos que dependem do Oficial de Justiça e de sua maior ferramenta – a fé pública. Poderia citar, a título de exemplo, cumprimentos de medidas protetivas proferidas no âmbito do Juizado da Violência Doméstica; arrestos, tão necessários para garantir execuções; buscas, apreensões e abrigamentos, na seara do Juizado da Infância e Juventude; garantia da incomunicabilidade dos jurados em julgamentos de competência do Tribunal do Júri, dentre outras tantas. Além disso, na reforma do Código de Processo Civil atribuiu-se ao Oficial de Justiça a função de Avaliador, competência que auxilia ainda mais o juízo na garantia do princípio da celeridade processual.

4. Conta para nós um ou mais caso(s) emblemático(s) no exercício da função, que de algum modo tenha(m) marcado tua memória/história.

As situações vivenciadas pelos Oficiais de Justiça são as mais diversas. Nesses anos de oficialato cresci como ser humano, inegavelmente. Contudo, o ano passado ficou marcado em mim de forma especial. Talvez por ter sido o ano em que coube à Justiça resolver questões fruto do desastre que foi a Pandemia COVID-19. Aumentaram os casos de Medidas Protetivas decorrentes de Violência Doméstica, assim como ficou nítido o agravamento da situação financeira das famílias. Nunca trabalhei em tantos processos de cobrança, execuções fiscais e despejos. Um Mandado de Despejo em especial chamou minha atenção. Tratava-se de imóvel central, ocupado por pessoa com nível de instrução superior, possuidor de biblioteca com diversos títulos interessantes, que não mais conseguiu honrar seus compromissos por estar acometido de depressão. A família havia optado por residir em Pelotas para poder ficar próxima da filha/neta para poder visitá-la, já que em outro processo lutava para evitar a alienação parental. Vivia com sua mãe, senhora idosa, sem diagnóstico, mas possivelmente acometida da mesma doença de seu filho. Nesse retrato, várias questões sociais saltavam aos olhos. Desemprego, doença, desestrutura familiar. A ordem de despejo deveria ser cumprida, sem dúvida. Mas para onde iram? Onde seus pertences seriam guardados? O que fazer com seus animais de estimação? Por outro lado, o proprietário de um imóvel há muito tempo sem receber o aluguel, querendo a retomada de seu bem. Embora não determinado, tomei a iniciativa de contatar o Município de Pelotas, que através da Secretaria de Assistência Social prestou apoio. Nessa situação lembrei das palavras de um professor que sempre dizia que por trás do papel (processos, agora eletrônicos), há pessoas. E disso nenhum servidor deve esquecer. Contudo, o Oficial de Justiça é quem se depara, de fato, diariamente, com as mais diversas situações reais.

5. Quanto tempo de carreira? O que dirias para aspirantes à função?

Concluí o Curso de Direito em 2002/2 e sou pós-Graduada em Direito Processual Civil. Enquanto me preparava para concursos, advoguei. Ingressei no quadro de servidores do Poder Judiciário em 2005, na Comarca de Pedro Osório-RS, como Oficiala Escrevente. Em 2009, assumi como Oficiala de Justiça na Comarca de Pelotas-RS.

Na Justiça Estadual, os Oficiais de Justiça atuam em todas as áreas de sua competência – cível, crime, família, fazenda pública, violência doméstica, infância e juventude.

Acredito que para desempenhar as atribuições com excelência, essencial organização e empatia. Embora imparciais, não podemos esquecer que estamos, quase que na totalidade das vezes, trabalhando com as maiores angústias das pessoas, estejam elas no polo ativo ou passivo.

Ingrid Moreno Bueno,

Oficiala de Justiça na Comarca de Pelotas – RS

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