Foi sancionada pelo presidente da República a Lei nº 14.311, de 9 de março de 2022 [1], que modifica as disposições a respeito do trabalho da empregada gestante durante a pandemia, inclusive com previsão de retorno ao trabalho presencial. A nova legislação alterou a então Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, que disciplinava o afastamento da empregada gestante, inclusive a doméstica, não imunizada contra a Covid-19.
É sabido que a Lei nº 14.151/2021 tinha deixado lacunas, sem que houvesse respostas na legislação brasileira, sobre o labor da trabalhadora gestante quando a atividade laboral por ela exercida era tida por incompatível com a sua realização em seu domicílio.
Assim, dada a incompatibilidade, por muitas gestantes, com a prestação de serviços por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, a atual Lei nº 14.311/2022 trouxe algumas respostas que essas trabalhadoras e as empresas até então buscam com o retorno, agora, das atividades presenciais.
Com efeito, a referida lei preceitua, em seu artigo 1º [2], que a empregada gestante, não tendo sido totalmente imunizada, deverá permanecer afastada de suas atividades ao longo do período de emergência de saúde pública. Logo, parte-se da ideia geral de que esta nova Lei nº 14.311/2022 se aplicará enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus Sars-CoV-2.
Além disso, ficou mantida a ressalva do direito ao afastamento das atividades ao labor presencial às empregadas gestantes que ainda não tenham sido totalmente imunizadas contra o referido agente infeccioso. Para isso, condicionou-se a imunização completa aos critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI).
Neste ponto, uma importante ponderação a ser feita diz respeito ao que se entende, em realidade, por imunização completa, por não se saber, ao certo, se compreende uma dose, duas doses, ou, ainda, a dose de reforço. Essa, aliás, não é uma problemática jurídica, e sim de ordem médica que compete ao Ministério da Saúde assim definir.
E segundo a Nota Técnica nº 65/2021 do Ministério da Saúde, entende-se ser necessária, para a imunização completa, uma dose de reforço da vacina, que deverá ser administrada a partir de quatro meses após a última dose do esquema vacinal. Isso porque o item 3.6 da norma ministerial considera como esquema completo de vacinação a pessoa que completou o esquema D1+D2+REF ou D de Janssen + REF (após dois meses) [3].
Ultrapassa a problemática médica em torno da compreensão da imunização completa, questão jurídica relevante gira em torno do futuro desfecho das ações judiciais que eram movidas na Justiça Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social para a antecipação e pagamento do salário maternidade por todo o período de afastamento das gestantes.
Isso porque, na forma da atual legislação, permanecendo a situação até então existente de afastamento da gestante ainda não totalmente imunizada, a lei afirma categoricamente que a trabalhadora ficará à disposição do empregador, sem prejuízo de sua remuneração, enquanto houver incompatibilidade da prestação de serviços à distância. Essa conclusão foi reforçada diante do veto presidencial a trechos da nova lei [4], que afastou a possibilidade de o INSS arcar com tal custo, sem prévia fonte de custeio, devendo o empregador, em tais situações, continuar arcando com o salário integral da trabalhadora.
Entrementes, salvo na hipótese de o empregador decidir por manter a empregada gestante desempenhando as suas atividades remotamente ou à distância, este poderá exigir, doravante, o retorno obrigatório daquela ao labor presencial desde que observadas certas diretrizes normativas.
Para tanto, necessária se faz, previamente, a compatibilização das atividades desenvolvidas pela empregada gestante pelo empregador que, neste novo cenário, poderá, respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da empregada para o seu exercício, promover a alteração das funções por ela exercidas, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a retomada da função anteriormente exercida, quando retornar ao trabalho presencial.
E de acordo com a nova legislação [5], a atual legislação condiciona o retorno obrigatório da gestante à atividade presencial nas seguintes hipóteses: (1) após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus – situação essa que, faticamente, ainda perdura em nosso país; (2) após sua vacinação contra o coronavírus, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização; (3) mediante o exercício de legítima opção individual pela não vacinação contra o coronavírus que lhe tiver sido disponibilizada.
Eis aqui outra problematização em torno da interpretação da atual legislação, a qual passou a prever a autorização do retorno da empregada gestante, não vacinada, mediante assinatura do termo de responsabilidade e de livre consentimento para exercício do trabalho presencial, comprometendo-se a cumprir todas as medidas preventivas adotadas pelo empregador. Afinal, na prática, se está autorizando o ingresso de gestantes não vacinadas às dependências das empresas e que estarão sujeitas a um maior risco de complicações de saúde em caso de eventual contaminação.
Aliás, é bastante controvertido o ponto da legislação que reputa, como direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual, o exercício da opção pela gestante de não se vacinar. E, também, quando a lei afirma, textualmente, que não poderá ser imposta à gestante que fizer a escolha pela não vacinação nenhuma restrição de direitos em razão dela.
Acontece, porém, que a Suprema Corte já se posicionou quando do julgamento das ADIs 6.586, 6.587 e ARE 1.267.879, no qual o interesse da coletividade prevalece sobre o interesse individual, de forma que a nova lei caminha em desconformidade com este entendimento. Consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal em tais ações, a vacinação compulsória pode ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes.
Corolário lógico, a opção do direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual da gestante em não se vacinar, sem que, no caso, não haja uma justificativa de ordem médica, não pode se sobrepor ao direito da coletividade ou de terceiros, como é o caso do empregador.
Neste ponto, a lei flexibiliza, erroneamente, a política de vacinação contra a Covid-19, criando uma exceção que não se sustenta do ponto de vista do ordenamento jurídico, criando riscos tanto para a gestante — que, por ato individual, abre mão da proteção de sua saúde e do nascituro; quanto para as empresas — que, conquanto possam contar, doravante, com o trabalho presencial das gestantes, passam a assumir um risco de passivo trabalhista sobrevindo o evento contaminação pelo coronavírus.
É certo que os dados recentes revelam a importância da imunização para as gestantes, conforme o alerta feito pela Organização Pan-Americana da saúde (Opas) [6]. Isso porque, de acordo com algumas pesquisas [7], a vacinação possui um efeito protetivo para as gestantes que, além de se mostrar segura, pode evitar consequências negativas.
E, mais, um levantamento realizado pelo Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 (OOBr) divulgou que as gestantes e puérperas sem a imunização contra a Covid-19 contam com cinco vezes mais chances de falecer do que as que receberam duas doses da vacina [8]. Segundo esse estudo, 80,4% das gestantes e puérperas que foram internadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave e com testes positivos para a Covid-19 não tomaram nenhuma dose da vacina.
Além disso, as pesquisas também apontam que as mulheres que não foram vacinadas e, que se contaminaram pelo coronavírus, além de estarem mais vulneráveis, ficariam mais inclinadas a ter um bebê natimorto, ou, ainda, que este viesse a morrer no primeiro mês de vida [9].
De outra banda, do ponto de vista normativo internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) sempre dedicou atenção às questões envolvendo a proteção a maternidade, conforme se observa da leitura da Convenção nº 3 [10], da Convenção 103 [11] e da Convenção 183 [12].
A propósito, o já citado veto presencial quanto à responsabilidade e ônus financeiro decorrente da garantia a maternidade, imputada ao empregador, afronta diretamente a Convenção 103 da OIT.
De outro norte, a proteção a maternidade é um direito garantido e assegurado pela nossa legislação constitucional e infraconstitucional ,sendo oportunos os ensinamentos de Sandro Marcos Godoy [13]:
“A proteção ao trabalho da mulher grávida não deixa de ser a proteção à própria espécie humana que cresce em seu ventre. Por isso o legislador infraconstitucional lhe garante direitos extensivos ao nascituro e ao recém-nascido quando, u.g. no artigo 392, § 4º, I e II da CLT estabelece condições especiais de trabalho à mulher durante a gravidez e no art. 396 possibilita dois descansos diários de meia hora cada um para amamentação do filho durante os 6 (seis) primeiros meses de vida, integrando a jornada de trabalho. (…)”.
Observe-se, ainda, que a nova legislação nada fala a respeito das gestantes que apresentem comorbidades, e, nessa hipótese, torna-se imprescindível a avaliação e opinião de um especialista, principalmente em se tratando de incompatibilidade com o retorno presencial ao trabalho.
Se é verdade que a empregada gestante vacinada detém uma maior segurança para o retorno presencial ao trabalho por conta da imunização, de igual modo tal trabalhadora ainda continua integrando o grupo de risco, e, por isso, as empresas precisam ter cautelas e cuidados.
Por isso é fundamental ressaltar um dos aspectos positivos da nova legislação que dispõe que as gestante, não vacinadas, deverão cumprir todas as medidas preventivas adotadas pelo empregador. Essa diretriz normativa reforça a necessidade de as empresas adotarem protocolos preventivos, com ainda maior rigor, focados para essas trabalhadoras tidas por especiais.
Em caso de omissão, traduzida na ausência de adoção de medidas preventivas, além da falta de fiscalização no cumprimento de tais protocolos, as empresas, em arremate, passam a assumir este enorme risco trabalhista, podendo ser responsabilizadas futuramente no caso de uma eventual contaminação no ambiente de trabalho e que porventura possa desencadear complicações nos estados de saúde da empregada gestante e do nascituro.
Fonte: www.conjur.com.br